Chumbo é encontrado no leite humano e associado a problemas no desenvolvimento de bebês

 

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Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em colaboração com outras instituições, revelou a presença de chumbo no leite humano, o que pode estar associado a atrasos no desenvolvimento da linguagem em bebês.

Embora o leite materno continue sendo a melhor opção para a alimentação na primeira infância, a contaminação ambiental, oriunda de fontes como o ar, a água e os alimentos, destaca a necessidade de atenção dos governantes para os riscos da poluição decorrentes de atividades humanas.

O estudo, que envolveu 185 bebês da cidade de São Paulo, analisou a presença de metais pesados no leite e sua possível relação com problemas no neurodesenvolvimento. Foram identificados arsênio, mercúrio e chumbo, mas os pesquisadores focaram principalmente no chumbo e seus efeitos. 

O chumbo, presente na indústria siderúrgica, no agronegócio através de fertilizantes e liberado por veículos e queimadas, polui solos, águas e o ar. Este metal não tem função fisiológica conhecida no organismo humano e é amplamente reconhecido por seus efeitos neurotóxicos devido à sua capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica, que regula a troca de substâncias entre o sistema nervoso central e o sangue.

A pesquisadora Nathalia Ferrazzo Naspolini, nutricionista e primeira autora do estudo, explica que o chumbo pode prejudicar principalmente os astrócitos, células que sustentam e fornecem energia aos neurônios. "Quando essas células não funcionam corretamente, o neurônio também é afetado, resultando em alterações na liberação de neurotransmissores como acetilcolina, GABA e glutamato na fenda sináptica", afirma. A fenda sináptica é o espaço entre dois neurônios onde ocorre a comunicação neuronal.

Essas alterações nos neurotransmissores podem levar a déficits na habilidade linguística e na leitura, detalha Naspolini.

Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem

Para avaliar o desenvolvimento dos bebês, foi utilizado o teste Bayley-III, aplicado por psicólogos do Projeto Germina, uma iniciativa colaborativa da USP focada no desenvolvimento infantil. O teste foi realizado em três momentos: aos 3 meses, entre 5 e 9 meses e entre 10 e 16 meses. Os resultados indicaram um atraso no desenvolvimento da linguagem em bebês amamentados com leite contaminado.

"Os marcos do desenvolvimento, como sentar e engatinhar, foram monitorados a cada seis meses. O teste Bayley-III avaliou cognição, linguagem, memória e capacidade motora. Observou-se que apenas o domínio da linguagem foi afetado", explica a pesquisadora. Em crianças pequenas, isso pode se manifestar como o início tardio do balbucio, um precursor da linguagem.

Preocupações e Perspectivas Futuras

Naspolini ressalta que a maioria dos participantes do estudo eram de famílias de média a alta renda, e expressa preocupação de que os níveis de contaminação possam ser mais elevados em populações de baixa renda, que têm maior exposição a contaminantes ambientais. Ela menciona que, em um estudo da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizado com amostras de baixa renda, mais de 90% do leite analisado estava contaminado.

Apesar dos achados, Carla Taddei de Castro Neves, orientadora da pesquisa e professora do Hospital Universitário (HU) da USP, enfatiza que "não podemos afirmar que o leite materno é prejudicial". Ela explica que o processo de biorremediação, conhecido por limpar ambientes contaminados utilizando bactérias, pode também estar ocorrendo no corpo humano. Alguns estudos sugerem que probióticos, como o lactobacilo, podem ajudar a remover metais pesados do organismo.

"Embora o leite humano possa estar contaminado, a microbiota pode estar oferecendo proteção biológica, limitando níveis mais elevados de contaminação. Precisamos de mais estudos para confirmar isso e explorar a possibilidade de usar probióticos em populações mais afetadas", conclui Neves.

O estudo, intitulado "Lead contamination in human milk affects infants’ language trajectory: results from a prospective cohort study", foi publicado na revista Frontiers in Public Health.

Fonte: Jornal da USP e Saúde Today
Editor local de Saúde: Dr. Willen Moura