Um grupo de pesquisadores brasileiros encontrou um potencial alvo para novos tratamentos contra infecções fúngicas, mais especificamente, as provocadas pela espécie Aspergillus fumigatus. O estudo foi publicado na revista Communications Biology.
Fungos dessa e de outras espécies do gênero são responsáveis por complicações como a aspergilose pulmonar invasiva (API), que vitima sobretudo pacientes com sistema imune comprometido, como aqueles internados em unidades de terapia intensiva (UTIs). Dependendo das condições do paciente, a taxa global de mortalidade por API é de 20% a 72%.
“Quando esse gene é deletado, o fungo continua viável. No entanto, importantes processos biológicos são afetados. O fungo então se torna menos virulento, aumentando as chances de ser eliminado pelos medicamentos existentes ou mesmo pelo sistema imune humano”, explica Natália Sayuri Wassano, primeira autora do estudo, realizado durante seu doutorado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) com bolsa da FAPESP.
Os antifúngicos usados atualmente muitas vezes encontram cepas resistentes, que não são eliminadas pelos medicamentos. Na forma crônica de aspergilose pulmonar, os pacientes podem passar anos em tratamento. As terapias disponíveis podem, ainda, causar efeitos colaterais como vômito e dor de cabeça.
“Nos últimos anos, pouquíssimas novas drogas antifúngicas foram aprovadas para uso. Moléculas que possam ter ação complementar com outras já usadas, porém, têm mostrado bastante potencial e maior chance de aprovação”, conta André Damasio, professor do IB-Unicamp e coordenador do estudo, que integra um projeto apoiado pela FAPESP.
O trabalho tem ainda entre os autores Nilmar Moretti, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp). A pesquisa integra o INCT-Fungos Patogênicos Humanos (INCT-Funvir), financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela FAPESP.
Recentemente, outro grupo apoiado pela Fundação patenteou uma droga que age em combinação com antifúngicos conhecidos. Dois dos coautores daquele estudo também assinam o artigo publicado agora (leia mais em: agencia.fapesp.br/41810).
Novo alvo
A expectativa dos pesquisadores, agora, é encontrar uma molécula que possa ter o efeito de inativar a sirtuína E – a proteína que mostrou os melhores resultados entre seis testadas. Se encontrarem, pode-se dar origem a uma droga que tornaria o fungo mais sensível aos medicamentos existentes.
As sirtuínas, classe de proteínas analisadas no estudo, também estão presentes em humanos e têm papel em uma série de processos celulares e fisiológicos. Os pesquisadores encontraram uma identidade de 25% entre as estudadas no fungo e as humanas, porcentagem considerada baixa e com mais chances de ser segura.
“Não é necessariamente ruim que um futuro novo medicamento com esse alvo iniba também a proteína humana, mas é algo que precisamos ficar atentos. Quando se trata de novas drogas, alguma margem de efeitos colaterais pode ser admitida, dependendo do benefício do medicamento”, explica Damasio.
Uma das dificuldades para encontrar novos antifúngicos é justamente a semelhança de algumas proteínas desses microrganismos com as humanas. Isso ocorre porque, evolutivamente, somos mais próximos dos fungos do que das bactérias, por exemplo.
Genes de algum ancestral em comum ficaram conservados tanto em nós quanto nos fungos. Não é à toa que, contra as bactérias, pôde ser desenvolvida uma vasta gama de medicamentos.
Prioridade da OMS
Para chegar aos resultados, os pesquisadores desenvolveram sete linhagens mutantes de Aspergillus fumigatus. Uma delas tinha seis sirtuínas deletadas ao mesmo tempo. As outras tinham, cada uma, uma sirtuína diferente inativada por meio da técnica de edição genética conhecida como CRISPR-Cas9.
Cultivados em placas no laboratório, o mutante que não produzia nenhuma das seis sirtuínas e o que tinha o gene sirE deletado, produtor da proteína de mesmo nome, cresceram menos do que a cepa selvagem a 37°C, a temperatura do corpo humano.
Os pesquisadores então infectaram animais com a cepa selvagem e a que não tinha o sirE, que produz a sirtuína E. Camundongos infectados com o fungo mutante nem sequer desenvolveram a doença, enquanto os que receberam a cepa selvagem morreram depois de seis dias.
“Não conseguimos determinar exatamente o que torna essa cepa menos virulenta, mas as análises mostraram várias possibilidades. Esse gene parece regular funções importantes, como a integridade da parede celular e a produção de metabólitos secundários, que servem, entre outras funções, para se defender do sistema imune humano”, diz Wassano, que realizou parte dos experimentos durante estágio na Universidade de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos.
Wassano e Damasio são coautores de outro trabalho, coordenado pelo grupo da instituição norte-americana, sobre o mutante que não produz a proteína SirE.
As poucas opções de antifúngicos no mercado e o surgimento de cepas resistentes levaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a listar Aspergillus fumigatus como uma das espécies fúngicas prioritárias para pesquisa e desenvolvimento.
No documento publicado em 2022, a OMS ressalta, entre outras ações, que “a sinergia de estudos in vitro e in vivo permitirá a otimização de regimes de tratamento”.
O estudo teve apoio da FAPESP também por meio de outros três projetos (18/09948-0, 22/02992-0 e 22/03075-0).
Editor local de Saúde: Dr. Willen Moura