Luciana Constantino | Agência FAPESP – Pais com periodontite transmitem para os filhos as bactérias que podem causar a doença no futuro. E, mesmo com diferentes tratamentos nas crianças, esses microrganismos permanecem na cavidade bucal. Isso reforça a necessidade de prevenção desde o primeiro ano dos bebês para tentar evitar o desenvolvimento da doença. Essa é a principal conclusão de um estudo conduzido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e publicado na Scientific Reports.
A periodontite é uma inflamação que atinge o tecido entre os dentes e a mandíbula (periodonto), infeccionando as gengivas que sangram e resultam em mau hálito. Em casos graves, leva à perda óssea e de dentes. Se as bactérias ou microrganismos que causam a doença chegarem à corrente sanguínea, também podem desencadear outros tipos de inflamação no organismo. O tratamento vai desde a limpeza do local feita por dentistas até o uso de anti-inflamatórios e antibióticos.
"O microbioma oral dos pais é um determinante da colonização microbiana subgengival de seus filhos (...). Além disso, essa microbiota disbiótica adquirida por crianças de pacientes com periodontite em uma idade precoce é resiliente a mudanças, e a estrutura da comunidade é mantida mesmo após o controle do estado de higiene", escrevem os pesquisadores na conclusão do estudo Parents with periodontitis impact the subgingival colonization of their offspring.
Segundo a cirurgiã-dentista Mabelle de Freitas Monteiro, primeira autora do artigo, a pesquisa é resultado de dez anos de trabalho do grupo, que vem acompanhando pais com a doença e o impacto na saúde dos filhos.
“Trazendo o estudo para o dia a dia dos consultórios, é possível dizer que ele ajuda a traçar abordagens mais diretas. Isso porque se o cirurgião-dentista entender que a doença periodontal pode afetar a família do paciente é possível trabalhar a prevenção, com chance de diagnosticar precocemente a doença e reduzir eventuais sequelas", afirma Monteiro, que recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos (16/03704-7 e 16/19970-8).
Renato Corrêa Viana Casarin, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp), orientador da pesquisa que também assina o artigo, reforça que os pais devem se preocupar com a saúde gengival das crianças desde pequenas. "Com essa linha de pesquisa inédita comparamos pais sem e com periodontite. Encontramos colonização das bactérias muito precocemente nos filhos. Porém, ter a comunidade de bactérias 'herdada' não significa que a criança, quando adulta, está fadada a desenvolver a doença. Por isso, a importância de ficar atento aos mínimos sinais e procurar ajuda especializada", diz Casarin.
No Brasil, há poucos dados disponíveis sobre a saúde bucal da população. De acordo com o último levantamento nacional feito pelo Ministério da Saúde, em 2010, 18% dos jovens de 12 anos nunca tinham ido ao dentista no país. Em relação à condição periodontal, 11,7% do total nesta faixa etária já tinha registrado sangramento. Entre os 15 e 19 anos, 13,6% não haviam passado por uma consulta com dentista. O estudo epidemiológico seria atualizado no ano passado, mas por causa da pandemia de COVID-19 teve as atividades temporariamente suspensas.
Em São Paulo, a Secretaria Estadual da Saúde divulgou a última pesquisa bucal em 2019, apontando, entre outros resultados, que dor de dente, sangramento na gengiva e doença periodontal eram motivo de incômodo para 50,5% dos adultos entre 35 e 44 anos (leia mais em: agencia.fapesp.br/30015/).
Pesquisa de campo
Para realizar o estudo, os pesquisadores da FOP-Unicamp coletaram material de 18 pais com história de periodontite agressiva generalizada e de seus filhos, com idade entre 6 e 12 anos, além de outros 18 pais periodontalmente saudáveis.
Foram analisadas amostras de placas bacterianas e fluidos da gengiva desses pacientes. Pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio (Estados Unidos), orientados pela professora Purnima Kumar, fizeram a avaliação microbiológica e o sequenciamento genético dos diferentes tipos de bactérias encontradas.
“Filhos de pais com periodontite foram colonizados por bactérias como Filifactor alocis, Porphyromonas gingivalis, Aggregatibacter actinomycetemcomitans, Streptococcus parasanguinis, Fusobacterium nucleatum e várias espécies pertencentes ao gênero Selenomonas. Esses patógenos também surgiram como discriminadores robustos das assinaturas microbianas de filhos de pais com periodontite”, descreve o grupo no artigo.
À Agência FAPESP, Casarin explica que, mesmo tendo feito controle de placa bacteriana e escovação intensa, os filhos de pais doentes continuaram tendo as bactérias na cavidade bucal. Já no grupo de crianças com pais saudáveis os efeitos da higiene bucal e da profilaxia foram mais significativos.
“O fato de os pais terem a doença periodontal faz com que os filhos assumam essa comunidade com característica de doença. Essa criança vai carregar a informação bacteriana para a fase adulta”, afirma Casarin.
O professor da FOP-Unicamp diz que, quando se analisa a colonização das bactérias, há uma relação de transmissão mais forte por parte da mãe. Agora, o grupo de pesquisadores vai trabalhar com mulheres grávidas para tentar “quebrar o ciclo”, ou seja, atuar com o objetivo de evitar que as bactérias colonizem a cavidade bucal das crianças.
“Vamos tratar as mães já durante a gravidez, antes de as crianças nascerem, para analisar se é possível impedir que a colonização das bactérias ocorra”, diz ele, lembrando que os estudos com pacientes só serão retomados quando houver condição em decorrência da pandemia.
Reconhecimento
A linha de pesquisa coordenada por Casarin para estudar a periodontite recebeu prêmios nacionais e internacionais. Em 2019, Monteiro conquistou o primeiro lugar na categoria pesquisa clínica do Prêmio Hatton na International Association for Dental Research (IADR).
O encontro promovido pela IADR é considerado o maior congresso de odontologia do mundo e a competição tem o objetivo de promover os melhores jovens pesquisadores na área (leia mais em: https://www.fop.unicamp.br/index.php/pt-br/doi-odontopediatria/2352.html).
Anos antes, o grupo já havia recebido o prêmio de melhor estudo de impacto clínico concedido pela Academia Americana de Periodontia.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.