FIES: Dívidas “impagáveis” e jovens sem crédito e sem perspectiva



Quem busca o programa de Financiamento Estudantil - FIES está sonhando em ter até 100% de sua mensalidade de curso superior financiada, no entanto, ler o contrato, as condições e avaliar se realmente vale a pena é a primeira coisa que se deve fazer para não entrar no que o senso comum chama de “furada”. 

Jovens de todo o Brasil em idade produtiva, recorreram em um passado recente ao financiamento estudantil como uma oportunidade de pagar seus estudos, no entanto, a falta de carência bem como condições especiais que deveriam ser levadas em consideração na dinâmica estudantil geraram incalculáveis transtornos para a vida pessoal e profissional. 

Jovens e fiadores com “nome sujo” e sem possibilidade de negociação 

Um dos maiores problemas relacionados a estes contratos que os estudantes enfrentaram no passado e que as consequências perduram até hoje foi a falta de carência, ou seja, ao terminar os estudos o recém formado, com carência, teria um prazo de meses para começar a pagar o financiamento e chegar na fase de amortização(pagamento pós utilização), enquanto tentariam, neste período, uma inserção no mercado de trabalho. Ao que parece, nos contratos antigos, essa condição não existiu o que resultou, dada as dificuldades, em um número incomensurável de estudantes com seus nomes inscritos nos órgãos de proteção ao crédito. Nos contratos mais novos, todavia, ao que apurou nossa equipe, existe a previsão de uma carência de 18 meses, em que nesta perspectiva atual quem se inscreve para o financiamento de sua formação superior tem mais chances de saldar a dívida, haja vista que contarão com este prazo para encontrar emprego, diferentemente de muitos contratos antigos (sem carência) que culminaram em um débito praticamente impagável. 

José, que terá seu nome modificado para evitar constrangimentos, contraiu uma dívida com o FIES e, por ser muito jovem foi levado pela falta de informação de outrem de que existia carência, o que, segundo ele, nunca imaginou que o contrato de financiamento estudantil não previsse algo desta natureza sendo uma condição básica de qualquer estudante “ter um tempo para encontrar emprego após se formar”, frisou. Motivado por essa falta de carência no contrato, ao terminar a faculdade ele teve sua vida transformada em uma verdadeira bola de neve de dívidas, onde já no primeiro mês subsequente a sua formatura começou a receber os boletos de pagamento e ficou surpreso ao descobrir naquele momento que o contrato não mencionava tal fase. 

O jovem, de família assalariada e humilde começou a procurar emprego na área, mas sem sucesso e essa situação perdurou por quase 2 anos o que gerou uma dívida um tanto impossível para ele pagar. José procurou reiteradamente o Ministério da Educação - MEC e a CAIXA na tentativa de encontrar uma solução, haja vista que a condição financeira dele se tornara instável, oscilando entre períodos de trabalho e desemprego. Segundo nos confidenciou, ao buscar orientação na agência da CAIXA sempre informavam que o MEC era responsável pelo contrato e de que somente por um site iria resolver, no entanto, ao entrar no referido endereço virtual não conseguia renegociar e a cada mês a dívida ia aumentando. 

Além de entrar no site ligava para o MEC que, em resposta, informava que procurasse a agência para tentar resolver a situação o que, para ele, era um grande jogo de empurra, levando-o a uma dívida impossível de pagar pois exigiam a quitação completa e à vista do contrato para proceder a retirada do seu nome dos órgãos de proteção ao Crédito junto com seu fiador. A Caixa, por sua vez, se defendia dizendo que era somente o agente financeiro do FIES e que o agente operador era o FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, órgão do Ministério da Educação, além de mencionar que as normas e operacionalizações de pausa, renegociação, etc, seriam feitas por eles através deste tal site, que é do sistema SisFIES, local este que José tentou entrar inúmeras vezes mas não obteve a tão sonhada renegociação. 

Outros jovens passaram por uma situação similar. Maria (nome também modificado), formada em direito, contraiu financiamento do FIES e não conseguiu emprego em tempo oportuno no que chamamos de “pós formatura” e ficou em dívida gerando transtornos que perduram até hoje envolvendo, inclusive, sua avalista. As duas foram inseridas nos órgãos restritivos de crédito. Maria buscou diversas vezes a negociação junto à CAIXA E MEC, mas sem sucesso. 

Fiador no SPC: dívida envolve mais pessoas 

Tanto o caso de José quanto de Maria(nomes fictícios), contaram com um problema a mais, devido ao fato de que para a concretização do financiamento destes jovens, em uma outra oportunidade, foi necessária a inclusão de um avalista o que intrincou ainda mais a problemática envolvendo, assim, mais pessoas na dívida e culminando no nome destes últimos nos serviços de proteção ao crédito gerando um transtorno imensurável para a vida dos estudantes, família e de seus fiadores. 

Caso Rebeca 

Outro caso que chama a atenção é o de Rebeca, formada em Psicologia, e que contratou o financiamento no segundo ano de sua graduação, em 2007. Segundo informou a este periódico, ela possuía Bolsa PROUNI de 50% e financiou 25% do valor da mensalidade. Segundo informações repassadas ao Diário Potiguar, procurou há época, a agência financiadora da CAIXA que, segundo ela, estavam cobrando valor a mais, não levando em consideração a Bolsa citada anteriormente e fez diversas tentativas de negociação, porém, igualmente aos outros casos, não obteve sucesso e segue no “SPC e Serasa” desde 2013. Ela relata que, assim como os demais mencionados nesta matéria, procurou o MEC através do site, bem como por telefone o que foi informado que não seria possível uma negociação, nem mesmo através do site uma vez que o contrato era anterior ao período que era exigido, pois só permitiam negociação de contratos de 2010 em diante. 

Outros casos 

Silvia, que assim como Maria, cursou Direito, entrou em uma dívida difícil de pagar por, segundo ela, não ter carência. Kássia, outra pessoa que entrou em contato com nosso periódico, relatou que concluiu Enfermagem, no entanto, não encontrou emprego rapidamente e, possivelmente por falta de carência ou de condições de negociação, segue com o nome nos órgãos de proteção ao Crédito. Ane, outro caso que tomamos conhecimento concluiu o Curso de enfermagem e, por causa da falta de carência, nos primeiros 4 meses pós formatura já acumulou uma grande dívida. Segundo ela, ainda tentou na justiça uma forma de negociar, no entanto, ao que parece, além de acumular a dívida impagável para alguém de sua condição, foi informado que não iria ser negociada e só através de pagamento à vista e, pior ainda, ficando responsável em ter que pagar os honorários advocatícios aos advogados da CAIXA. 

Esses são apenas alguns exemplos em que jovens entraram em contato com nossa equipe, porém ao que se observa através da imprensa e de dados da CAIXA na mídia é que esses Norte riograndenses não estão sós. 

Débito de 10 bilhões. Um número surpreendente 

Em uma matéria veiculada no portal G1 em 2019, 1,5 milhão de contratos estavam na fase de amortização, e destes, quase a metade se encontravam inadimplentes, ou seja, pelo menos 700 mil contratos. Não conseguimos obter junto à CAIXA números oficiais atualizados. 

Ainda segundo uma reportagem daquele veículo de imprensa, os dados divulgados pelo Ministério da Educação em 2018(dados carentes de atualização) mostraram que as dívidas de pessoas inadimplentes junto ao Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) já somam um "débito total de R$ 10 bilhões com o fundo". Esse é um número mais que surpreendente onde nos leva a inferir que, caso houvesse uma negociação mais efetiva é possível que os estudantes quitassem suas dívidas e gerassem uma receita importante para os cofres públicos. 

Pandemia e SPC 

Não bastasse toda dificuldade enfrentada pelos milhares de estudantes espalhados pelo país, o fato da inclusão do nome no SPC é uma situação que, tal como a própria dívida, vem gerando dificuldades também em períodos de pandemia, haja vista que pessoas de baixa renda estão precisando de crédito para se manter o que, devido aos problemas já apresentados nesta matéria, está sendo impossível pois um dos critérios para a obtenção de crédito é justamente estar com o “nome limpo” junto aos órgãos de proteção ao crédito e, ao que parece, caso não haja uma ajuda por parte da CAXA e MEC este quadro poderá perdurar por muitos anos e trará muitos malefícios para a saúde financeira dos jovens e do governo federal. É inegável a força que tem a marca CAIXA e mais ainda as responsabilidades do MEC, no entanto são nestas situações que se vê uma grande instituição, junto com o Ministério da Educação que deveria facilitar a vida dos estudantes e cidadãos brasileiros quase pressionando com o poder ou por inércia, jovens de todo o Brasil que, mesmo tendo a responsabilidade por estarem inadimplentes vivem numa situação onde não podem saldar suas dívidas à vista. Isso é uma verdadeira tortura que acaba com os sonhos e com as perspectivas de pessoas jovens e de famílias que tinham como único desejo ver seus filhos com a vida pessoal e profissional estabilizada e sólida. 

O que a CAIXA diz? 

A pedido do Diário Potiguar a imprensa da CAIXA gentilmente nos respondeu e emitiu a seguinte nota: 

“A CAIXA informa que a fase de carência se trata de um período, após a conclusão do curso, que o estudante possui para recompor seu orçamento, contado a partir do mês subsequente ao do encerramento do contrato. Para contratos firmados no período de 20/11/2007 até 27/05/2009, a carência tem duração de seis meses e, para contratos celebrados a partir de 28/05/2009, a carência é de 18 meses, conforme a Lei n° 11.552 de 2007, alterada pela redação da Lei n° 11.941, de 2009. Em relação aos casos apresentados, todos os estudantes possuem contratos firmados antes do dia 20/11/2007, não possuindo, assim, direito ao período de carência após a conclusão do curso. A CAIXA esclarece que tais condições são determinadas pelo gestor do programa MEC/FNDE e que atua como agente financeiro. Quanto aos valores de dívidas em atraso, não há previsão legal para parcelamento, mas sim a renegociação por meio do alongamento do prazo de amortização. Conforme o estabelecido na Resolução FNDE n° 3, para os contratos celebrados entre 1999 e 14/01/2010, há a possibilidade de renegociação na agência de vinculação, desde que a fase de utilização esteja encerrada e que o contrato apresente todas as condições informadas na Resolução. Acrescentamos que todos os procedimentos realizados pela CAIXA são previstos em Leis/Resoluções publicadas pelo MEC/FNDE e que não cabe à esta instituição financeira arbitrar sobre os critérios adotados pelo gestor do programa e/ou conceder exceções às regras previstas. 

Tentamos entrar em contato com a Assessoria de Imprensa do MEC que nos respondeu informando que deveríamos encaminhar a demanda para o FNDE, no entanto, até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta. 

Uma luz no fim do túnel. Resolução 

Segundo informações enviadas pela ouvidoria, "recentemente, foi publicada a Lei n.° 14.024, de 19 de julho de 2020, que altera, dentre outros, o parágrafo 4o do Art.5°-A da Lei n.° 10.260, de 2001, que permite a renegociação dos contratos de Fies que estejam inadimplentes. Nesse sentido, o Comitê Gestor do FIES (CG-FIES) regulamentará nos próximos dias os procedimentos operacionais e financeiros afetos à adesão ao Programa Especial de Regularização do Fies, nos moldes da Lei n.° 14.024, de 2020. Com efeito, após a publicação da resolução, atendidos os requisitos, o estudante financiado, poderá aderir ao Programa Especial de Regularização do Fies, nos termos do regulamento, por meio da liquidação ou parcelamento. 

Essa resolução é esperada por um número incalculável de pessoas entre eles estudantes, fiadores e suas respectivas famílias, no entanto, até o momento não tomamos conhecimento se tais modificações irão abranger todos os contratos inadimplentes, principalmente o perfil dos casos mais antigos mencionados nessa matéria que supõe-se ser a maioria dos inadimplentes do FIES. 

*A redação inibiu os nomes dos estudantes mencionados nessa matéria para evitar constrangimentos e enviou os respectivos nomes corretos à caixa para avaliação.