Terapia consiste na aplicação de laser, emitido por diodos instalados em um capacete, para estimular a recuperação do tecido cerebral lesionado
Foto: Erika Gutierrez/Flickr-CC |
Pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) estão desenvolvendo um método para reabilitar as funções cognitivas em pacientes com traumatismo cranioencefálico grave, vítimas de acidentes ou violência. A terapia consiste na aplicação de laser, emitido por diodos instalados em um capacete, para promover a recuperação do tecido cerebral.
Diferentes terapias com uso de luz, reunidas sob o termo fotobiomodulação, já vêm sendo aplicadas para problemas diversos de saúde – de lesões ortopédicas e fibromialgia a Alzheimer e depressão -, qualquer doença em que se deseja promover ou inibir certas funções celulares, ou seja, modular estas funções. No caso do traumatismo, o objetivo é estimular a regeneração de neurônios lesionados.
Diodos emissores de luz (LED, na sigla em inglês) são capazes de penetrar no couro cabeludo e no crânio e têm potencial de melhorar a atividade celular do tecido cerebral comprometido. Experimentos já foram realizados em outros centros de pesquisa para testar a terapia LED no traumatismo cranioencefálico, com resultados promissores. O que os pesquisadores da FMUSP buscam agora é dar um passo além, desenvolvendo diferentes abordagens para maximizar os efeitos positivos dessa terapia e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Uma das apostas é iniciar a terapia mais precocemente, na fase aguda da lesão. Até o momento, a terapia tem sido adotada apenas na recuperação em fase crônica de pacientes, isto é, meses após a ocorrência. “Nosso estudo parte das primeiras experiências com a técnica iniciadas por Margaret Naeser, em Boston. Ela começou a fazer o tratamento para traumas leves na fase tardia, seis meses após o trauma, para tentar melhorar a funcionalidade dos pacientes, e teve bons resultados. Então pensamos em testar como seria na fase aguda e em casos graves”, conta o médico neurocirurgião João Gustavo R. P. dos Santos, pesquisador da FMUSP.
Assim, o estudo analisará pacientes que sofreram um trauma grave que sejam admitidos em até 8 horas após o acidente. “Essa admissão hospitalar poucas horas após o trauma diminui o acontecimento de eventos que poderiam confundir os resultados”, explica o médico.
Além disso, os pacientes incluídos no estudo devem apresentar sintomas de lesão axonal difusa, que consiste em danos aos axônios do neurônio no interior da bainha de mielina (ver imagem), resultando em uma degeneração grave da substância branca do cérebro. Isso porque os axônios, que constituem a substância branca, são as vias de transmissão dos impulsos nervosos entre os neurônios.
Traumatismo cranioencefálico e as partes do neurônio – Imagens: Patrick J. Lynch via Wikimedia Commons e US National Institutes of Health
A lesão axonal difusa está relacionada a eventos que provocam aceleração e desaceleração do crânio, ou seja, quando há interrupção brusca da movimentação do cérebro, como ocorre em acidentes de carro ou quedas maior de altura. Nos traumas graves, que levam à inconsciência e ao coma, e que não possam ser atribuídos a hematomas (acúmulo de sangue no cérebro ou entre o cérebro e crânio), nem ao câncer cerebral, é praticamente certo que haja lesão axonal difusa, que é difícil de tratar. “Hoje, em toda medicina, ainda não temos nenhum tratamento para a lesão axonal difusa, que é uma das patologias associadas ao trauma cranioencefálico. Tudo que se faz é, literalmente, ‘esperar e ver’ como ela vai progredir, como o próprio organismo fará a recuperação”, afirma o pesquisador.
Paciente recebe terapia LED transcraniana no Hospital das Clínicas – Foto: Cedida pelo pesquisador
O tratamento proposto no ensaio clínico prevê 18 sessões de estimulação por LED em pontos específicos do crânio durante seis semanas. A ideia é que os pacientes sejam avaliados quanto ao seu nível de consciência antes da estimulação e também depois de um mês, de três e de seis meses após a primeira estimulação.
Espera-se que a terapia de LED transcraniana melhore a função cognitiva dos pacientes, além de promover mudanças benéficas para a circulação sanguínea.
A luz que cura
O efeito regenerador da luz foi descoberto por acaso em um experimento com ratos que visava tratar tumores. Percebeu-se que o laser, na verdade, promovia a cicatrização dos ferimentos nos roedores. Ao investigarem por que isso acontecia, estudos posteriores demonstraram que, em intensidade e tempo adequados, a luz é capaz de aumentar a oxigenação das mitocôndrias, as usinas de produção de energia nas células, e assim acelerar o processo de regeneração dos tecidos.
Duplo-cego, randomizado, controlado
Para aumentar o nível de confiabilidade dos resultados, o experimento é feito dentro da metodologia duplo-cego, randomizado e controlado. Confira no infográfico a seguir como funciona.
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Infográfico com consultoria científica de Patrícia Nolasco (FMUSP) e Willian Lopes (FMRP)
Publicações
A preparação do ensaio clínico já resultou na publicação, por parte do grupo, de quatro artigos científicos:
Conforme as recomendações de grupo internacional voltado à publicação de ensaios clínicos com qualidade, o Consort – Consolidated Standards of Reporting Trials, antes de qualquer ensaio clínico ser executado, deve ser registrado na plataforma on-line do site Clinical Trials. Seguindo tais diretrizes de qualidade, o trabalho dos pesquisadores se encontra disponível neste link.
Por Luiza Caires | JORNAL DA USP