Apesar de a microcefalia ser reversível ao longo do crescimento, não se sabe as consequências futuras para a criança
Durante a gravidez, as complicações parasitárias da malária são mais graves: além de microcefalia temporária, podem ocorrer partos prematuros, risco de aborto e baixo peso no nascimento. Na foto, a pesquisadora Jamille G. Dombrowski, que esteve em trabalho de campo no Acre.
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Estudo com gestantes infectadas com malária do Vale do Alto Juruá, no Acre, indica que elas possuem maior risco de terem partos prematuros e filhos com microcefalia – reversível, porém, conforme ocorre o crescimento da criança. A constatação foi feita por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP em levantamento feito entre os anos de 2006 e 2014 no norte do País. O objetivo do trabalho foi avaliar os efeitos deletérios da malária durante a gravidez e produzir dados para subsidiar ações públicas na área de saúde materno-infantil da região.
Na fase gestacional, as complicações parasitárias se tornam mais graves devido à situação de vulnerabilidade da mulher e ao fato de a doença vir associada à anemia. Além do perímetro cefálico (circunferência da cabeça) reduzido, que foi um dos achados mais importante desta pesquisa, outros estudos já haviam comprovado problemas relacionados à saúde do recém-nascido e da mãe, especialmente se infectada por malária nos últimos meses de gravidez. A doença está diretamente relacionada à anemia materna, risco de aborto, restrição no crescimento intrauterino, parto prematuro e baixo peso no nascimento, relata Claudio Romero Farias Marinho, coordenador do estudo e orientador de Jamille Gregório Dombrowski, uma das pesquisadoras que esteve em trabalho de campo no Acre.
Amostra de placenta das gestantes que fizeram parte da pesquisa – Foto: Rodrigo M. Souza
Segundo o pesquisador, até o momento, a microcefalia estava associada a outras infecções durante a gestação, como o vírus da zika. Porém, nas amostras mais recentes desta pesquisa, foi observado que o parasita da malária também pode causar esta anomalia no feto. Diferentemente do que é observado nos casos do vírus da zika, é sabido que para várias outras doenças, depois de alguns meses, as crianças que nascem com o perímetro cefálico reduzido podem ter o quadro revertido e ter o tamanho do crânio normalizado. O que, na opinião de Jamille, não minimiza o problema porque ainda não existem estudos no campo da malária gestacional avaliando a extensão do comprometimento neurológico do bebê afetado, mesmo que seja temporário.
O projeto do ICB foi composto com dois estudos: um prospectivo, em que 600 gestantes foram acompanhadas durante seu período gestacional; e outro retrospectivo, no qual foi feito o cruzamento de dados sociais e clínicos de mães e de recém-nascidos, extraídos do Sistema de Informações de Nascidos Vivos, e episódios de malária, obtidos no Sistema Nacional de Informação de Vigilância Epidemiológica da Malária.
A malária é uma doença causada por parasitas do gênero Plasmodium, que é transmitido por mosquitos fêmeas. No Brasil, o mais comum é o Plasmodium vivax, menos perigoso do que o Plasmodium falciparum, que é mais predominante na África. Estima-se que 125 milhões de mulheres correm risco de contrair malária durante a gravidez. Na população estudada, houve uma incidência de 8,9% (1.283 mulheres grávidas infectadas), das quais 63,9% foram infectadas pelo P. vivax. A redução do peso ao nascer do recém-nascido foi encontrada associada à infecção por P. vivax durante a gravidez e os partos prematuros estiveram relacionados ao P. falciparum.
Amostras de sangue das gestantes infectadas pela malária – Foto: Jamille G. Dombrowski
.Segundo Jamille, “os efeitos da malária são devastadores”. O baixo peso ao nascer, por exemplo, reflete em retardo de crescimento dentro do útero e parto prematuro, que são importantes fatores para doenças infantis. O peso baixo ao nascer tem sido associado à mortalidade infantil, ao desenvolvimento cognitivo deficiente e ocorrência de doenças não transmissíveis mais tarde na vida. O baixo peso ao nascer devido à malária está relacionado com até 100 mil mortes infantis por ano nos países endêmicos, como o Brasil.
Por ser uma doença de notificação compulsória, o cruzamento dos dois bancos de dados de registros de vigilância pública de saúde “é uma estratégia eficaz para planejar medidas preventivas como a identificação de epidemias em áreas mais afetadas, reduzindo, assim, desfechos negativos das crianças ao nascer”, reforça Jamille.
Os artigos: Malaria during pregnancy and newborn outcome in an unstable transmission area in Brazil: a population-based record linkage study e Plasmodium falciparum infection during pregnancy impairs fetal head growth: prospective and populational-based retrospective studies de autoria de Jamille Gregorio Dombrowski, Claudio Romero Farias Marinho, dentre outros, foram publicados na PlosOne e no BioRxiv, respectivamente.
Por Ivanir Ferreira - JORNAL DA USP