Muitos dos seus sonhos, que parecem tão originais, são iguais aos de todo mundo. Na infância, por exemplo, você deve ter tentado escapar de um monstro ou de um fantasma. Mais tarde, pode ter tido uma fase em que perdia os dentes num pesadelo recorrente ou não encontrava um banheiro.
Ser perseguido está no topo da lista de enredos mais populares, segundo o psicólogo escocês Ian Wallace, que estuda sonhos universais há 30 anos. Ele é autor de "The Top 100 Dreams" (Os Cem Sonhos 'Tops', sem edição no Brasil), lançado em junho, que está entre os mais vendidos da categoria, nos EUA.
No livro, Wallace, 47, interpreta o ranking não estatístico de sonhos mais comuns. "Embora nossas experiências de vida variem, temos padrões de comportamento similares e mentes similares", disse à Folha.
É possível, segundo o psicólogo, dividir os sonhos de acordo com a idade. Crianças tendem a sonhar que há algo de assustador no quarto. Adolescentes, geralmente, são perseguidos por zumbis, perdem os pais ou ficam presos no cemitério.
"No início da vida adulta, as pessoas sonham que perderam o avião ou abandonaram seus filhos por engano", exemplifica.
A psicóloga e psicoterapeuta Marion Gallbach, autora de "Aprendendo com os Sonhos" (Paulus, R$ 39,50, 248 págs.), acompanhou grávidas de primeira viagem por seis meses em sua dissertação de mestrado.
Segundo ela, oito em dez gestantes sonhavam com água: chuva, dilúvios, tsunamis. "Muitas delas também sonhavam com leite ou com filhotes de animais."
Para Gallbach, os símbolos da maternidade são uns dos mais característicos e marcantes, relacionados com o instinto biológico e com a mudança física e psicológica pela qual a mulher passa.
O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1865-1961) chamava os símbolos representados nos sonhos de arquétipos. Eles seriam resultado de um inconsciente coletivo, formado a partir de influências genéticas, culturais e sociais.
Nesse caso, sonhar com água tem relação com ser inundado por emoções, perder o controle da situação e ser obrigado a se deixar levar. "É como as grávidas normalmente se sentem."
IGUAL, MAS DIFERENTE
Os temas são parecidos, mas os detalhes diferenciam os sonhos. "Há símbolos universais, mas o principal para desvendar significados é o contexto em que o símbolo está inserido", afirma a psicanalista Cecilia Orsini, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
Na visão da neurociência, sonhos são o resultado da soma de memórias recentes e consolidadas. Por isso é quase impossível os sonhos de duas pessoas serem iguais.
"O conteúdo pode ser o mesmo, porque vivemos na mesma sociedade, mas o enredo muda. Ele é feito a partir das experiências de cada um e de como cada um interpreta a realidade", diz Angela Cristina do Valle, pesquisadora em neurociências na Universidade de São Paulo.
A seleção de memórias, que nos sonhos aparecem como um mosaico aparentemente sem sentido, não é aleatória: acontece de acordo com o sistema de recompensa ou de punição do cérebro, segundo o neurocientista Sidarta Ribeiro, pesquisador da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
"Quando Freud falou que os sonhos representavam desejos, de certa forma estava certo", afirma.
O neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939), um dos primeiros cientistas a se debruçar sobre o tema, estabeleceu que o sonho é um retrato do inconsciente, sempre individual. Daí o problema com manuais e dicionários de significados.
Além de revelarem desejos, os sonhos, para a psicanálise, mostram questões que a pessoa não está resolvendo.
"Freud diz que a chave do sonho é sempre o sonhador. Os símbolos dos manuais podem até esconder o significado real", comenta Orsini.
O sonho "manda um recado" do inconsciente. "É uma mensagem do próprio eu para a personalidade consciente. Pode servir como forma de compensar, reestabelecer o equilíbrio", diz a junguiana Gallbach.
Sonhamos de quatro a cinco vezes por noite. Mesmo quando você não se lembra do sonho, ele ajuda a fixar memórias e a recuperar a capacidade de atenção.
A dificuldade de se lembrar de imagens e acontecimentos oníricos tem várias explicações. A primeira é fisiológica.
"À noite, liberamos menos noradrenalina, neurotransmissor que ajuda a consolidar memórias recentes", explica Sidarta Ribeiro.
Assim que levantamos e despertamos nossa atenção com alguma atividade, temos uma descarga do neurotransmissor, o que faz com que esqueçamos de vez os restos dos sonhos.
Uma dica para que isso não aconteça é ficar dez minutos na cama depois de acordar sem fazer nada.
"Pessoas que têm esse hábito, com o tempo, passam a lembrar mais sonhos."
BEM LEMBRADO
Para a psicanálise, esquecer os sonhos mostra dificuldade para lidar com os problemas, que poderiam ser revelados pelo inconsciente.
Nem sempre é bom fazer força para se lembrar, de acordo com o psiquiatra e psicanalista José de Matos.
"A lembrança precisa vir naturalmente. Não adianta fazer anotações à noite, você não entende depois. Nem é saudável lembrar de tudo."
Para ele, o problema é quando os sonhos se repetem. "A tendência é repetir o sonho para repetir o trauma."
Os sonhos recorrentes, angustiantes, são vistos pela psiquiatria como sintoma de estresse pós-traumático --transtorno em que a pessoa relembra constantemente um fato, e que pode mudar o padrão de sono.
Alterações físicas também causam pesadelos, lembra o neurologista Luciano Ribeiro Pinto Jr., da Unifesp.
"Nem tudo é psicológico", diz. O sono é influenciado por fatores biológicos e ambientais, como estar com sede ou vontade de ir ao banheiro.
"Às vezes, a pessoa busca significados em sonhos repetidos quando, na verdade, tem um distúrbio físico. Sonhar que está sufocado pode ser uma apneia do sono", diz.
Com informações: Folha de São Paulo